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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"Entrevista: Eu não quero mas cuspir em ninguem

(Trechos da entrevista, Correio Braziliense, 18/fevereiro/1986)

Tomando emprestado uma expressão cunhada pelos sambistas cariocas, pode-se dizer que o Legião Urbana está arrebentando a boca do balão. Ao lado do Ultraje a Rigor e RPM, forma atualmente, o triunvirato das bandas mais populares do rock brasileiro (...)

Esse segundo elepê, musicalmente, segue a linha do primeiro disco, ou a Legião propõe alguma novidade?

RR - Acho que a mudança principal não será na música, na textura instrumental das faixas, embora isso seja justamente o que vai chamar mais atenção a principio. Esse disco não tem nenhuma "Geração Coca-Cola". Não estamos mais a fim de cuspir em cima dos outros. Eu acho que isso foi uma coisa de um momento. Já foi feito. Tem outros conjuntos que estão seguindo essa linha, acreditam nisso, acham uma coisa muito legal. Tudo bem, não tenho nada contra, mas partimos pra outra. A mudança, embora eu acredite que as pessoas vão sentir isso nas músicas, ela se manifesta mais no lance da temática. A gente está pegando exatamente o que a gente falava no primeiro disco, mas ao invés de ser aquela coisa corrosiva, aquela coisa de atacar, estamos tentando dar um recado, tipo assim: não é bem por aí. Está todo mundo muito sozinho, se ligando muito nas máquinas. Não é isso. O importante é saber de sua família, das pessoas que estão próximas de você e não copiar o cara que está na televisão. Foi isso que a gente começou a descobrir dentro do lance.

O primeiro disco de vocês tem uma certa unidade. Nenhuma música está ali gratuitamente. O próximo tem também um fio condutor, um elo entre as várias faixas?

RR - Olha, o disco estava sendo planejado para ser um álbum duplo. Iam ser 25 músicas. Grande parte desse material teria base acústica. A gente estava pegando muita coisa feita entre Aborto Elétrico e a Legião, música que eu tocava no violão. Íamos fazer arranjos para o conjunto tocar. Não deu certo por causa de uma série de problemas. Então tivemos que fazer uma redefinição do trabalho. Agora será um disco com 12 músicas, que tem um fio condutor, uma idéia central. A gente que se liga muito no rock sabe que os grandes discos são uma idéia. Você pega Sgt. Pepper's, dos Beatles; o primeiro dos Sex Pistols. É uma idéia, é um conjunto. E a gente quer fazer isso nesse disco. Tem muita música de amor, mas tem, também, música que fala do social, do político, mas num contexto emocional, num contexto individual, algo mais ou menos como "Baader-Meinhof Blues", só que sem aquela parte negativa. Eu acho que as idéias da gente estão bem gerais e não muito específicas. É um lance assim, ao invés de falar mal das pessoas que poluem os mares, ou das guerras, a gente prefere falar do universal, da experiência individual de cada um. Todo mundo respira, todo mundo sonha, todo mundo é confuso sexualmente, até certo ponto, todo mundo tem medo da morte. Então a gente quer falar sobre isso: do ponto em comum que une todas as pessoas.

Numa matéria analítica sobre o rock brasileiro, publicada recentemente no jornal do Brasil, o Tarik de Souza lhe chamou de neo-Jerry Adriani. Como você encarou isso?

RR - Olha, eu acho o Tarik um cara superlegal, mas ele entende é de MPB. Uma coisa que me irrita um pouco são pessoas de determinadas áreas, falando de áreas que não são delas. Eu não entendo nada de MPB. Sou amigo do Makalé, às vezes a gente conversa e tal, mas eu não posso me meter a fazer a crítica do disco do Moreira da Silva. O Tarik não tem base pra falar de rock. Ele é um excelente jornalista, entende muito de MPB, tem um trabalho que eu respeito muitíssimo, mas que não me venha falar de rock, pois ele não entende nada de rock. Mas, de uma certa forma, ele tem um pouco de razão, porque meu timbre de voz é parecido com o do Jerry Adriani, mas em uma ou outra música. Mas a partir do momento em que isso é utilizado para rotular e em cima disso criar um texto jornalístico, acaba sendo uma coisa de má-fé. Acho isso superdesnecessário. No entanto, acho que as pessoas têm total liberdade para expressar suas opiniões.



Me parece que sua ligação afetiva com Brasília é muito forte. Sempre que pode vem à cidade?


RR - Eu adoro Brasília. Pra mim, é a melhor cidade do Brasil. Futuramente, eu quero novamente morar em Brasília. Eu sei que a cidade tem muitos problemas, mas são problemas ainda contornáveis. Aquela tal história, se a gente não começar a pensar realmente nas satélites, vão acontecer algumas coisas terríveis. Brasília, o Plano Piloto, é uma ilhazinha, com uma vida caríssima. Uma das cidades de vida mais cara no país. E pode acontecer, realmente, uma coisa à la Revolução Francesa. Eu tenho uns amigos místicos, que é outro lado da cidade que eu acho superinteressante, que dizem o seguinte: se as coisas não forem bem encaminhadas, pode surgir um grande ressentimento por parte das massas. E com toda razão. Em Brasília, as crianças ainda podem brincar sozinhas nas quadras. No Rio, você não pode ter um apartamento sem um guarda, uma casa sem cachorro. Aqui a coisa ainda é tranqüila. Mas, e as satélites? Estou sabendo que estão fazendo um trabalho legal por lá, mas a gente tem que ter consciência disso e reivindicar mais. (... ) Eu acho assim, Brasília é uma cidade legal na medida em que você ainda pode melhorá-la. Por exemplo, ainda está em tempo da gente tomar conta da poluição, de dar um jeito no Paranoá, de ajeitar o trânsito. São coisas que ainda se pode trabalhar. Agora eu gosto muito de Brasília, porque aqui eu passei a adolescência, tenho meus amigos. Não são tantos, mas são pessoas especiais, que vão ficar pro resto da vida. O pessoal que trabalha com arte, que agita a cidade, são pessoas muito legais. Muita gente reclama que aqui não tem nada pra fazer, mas se você procura, você acha. Tem o Instituto Goethe, a programação do Cine Brasília, que está espetacular. Tem o Da Mata que é incrível. No Rio e em São Paulo existem mais alternativas, mas é aquele circuitozinho. Você sai do cinema e tem que se defrontar com aquele calor, com aquela poluição. Aqui, você sai da Cultura Inglesa e aspira um ar puríssimo e pode sair por aí caminhando tranqüilamente. E existe o intercâmbio cultural com as embaixadas e com as próprias pessoas. Você encontra pessoas aqui de todos os cantos do país, de todas as profissões, com todos os backgrounds possíveis. Isso dá uma interação de relacionamento humano, emocional, que eu acho muito legal, ao contrário das grandes metrópoles onde hoje só existem as tribos super fechadas.
Texto enviado por: Fabiano Moraes - Legião Urbana Web Fã Clube

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